Mais Audiovisual, menos leitura
As implicações educacionais do crescente aumento do audiovisual no tempo livre do brasileiro
Leandro Antonio de AlmeidaAlmeida
Publicado originalmente no LEHRB-UFRB
12/06/2012
Nos momentos de lazer, o brasileiro assistiu mais e leu menos em 2011 que em 2007. Essa é uma das conclusões que podemos extrair da pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", feita pelo Ibope Inteligência e Instituto Pró-Livro. Em sua terceira edição, seu objetivo era "medir a intensidade, forma, motivação e condições de leitura da população brasileira". Para isso, foram realizadas 5012 entrevistas em 315 municípios de todas as regiões do país. Os resultados estão disponíveis no site do Ministério da Cultura e podem ser acessados aqui.
Na pergunta sobre o que gosta de fazer no seu tempo livre, o percentual de leitura de livros, jornais, revistas e textos na internet caiu de 36% em 2007 para 28% em 2011. Do mesmo modo, a escrita apresentou um recuo de 21 para 18%. A questão seguinte elucida esses percentuais ao mostrar que a leitura é vista mais como uma forma de adquirir conhecimento para a vida (65%), para o trabalho (41%) ou para os estudos (35%), ou seja, mais ligada ao mundo dos saberes que dos prazeres (18%) ou interesses (21%).
Por outro lado, atividades audiovisuais caseiras aumentaram: assistir televisão lidera disparado, passando de 77% para 85%, enquanto que assistir vídeos e filmes em DVD passou de 29 para 38%. Podemos incluir na conta navegar pela internet, que passou de 18 para 24%, e os videogames, que passou de 10 para 13%. A música e o rádio também tiveram destaque, ficando estáveis na casa dos 52%.
Tudo isso indica que, além da sociabilidade com amigos e família e da distração para passeio e descanso, boa parte do lazer brasileiro ocorre no mundo audiovisual ligado às indústrias culturais. Esse momento de lazer é fundamental para a formação da percepção e dos gostos dos indivíduos, sobretudo jovens, a partir dos quais se constroem realidades, sociabilidades e identidades.
A escola precisa lidar mais intensamente com essa dimensão cada vez mais presente no dia-a-dia dos cidadãos. Em primeiro lugar, é necessária uma valorização das disciplinas de artes visuais e música, não apenas voltadas à dimensão prática e lúdica, mas como reflexões sobre o papel da percepção visual e auditiva no cotidiano, levando os estudantes a perceber a construção da visualidade e da sonoridade em diferentes suportes, as finalidades de seus produtos e produtores e, sobretudo, os códigos envolvidos.
As disciplinas convencionais também podem contribuir para essa educação audiovisual. No caso da História, por exemplo, os professores e os teóricos do ensino dessa disciplina há décadas apontam os benefícios de se utilizar imagens e gravações nas aulas, através dos quais se explora a construção dos códigos visuais e auditivos em diferentes períodos históricos, bem como a formação do gosto e sua repercussão em práticas e representações sociais. A partir deste trabalho, uma das dimensões mais naturalizadas como a percepção humana pode ser vista pelos alunos como historicamente construída, por vezes de maneira consciente a orientar as emoções e sensibilidades do público, como ocorre nas indústrias culturais.
O aumento da dimensão audiovisual no cotidiano do brasileiro reforça a importância de o professor ter familiaridade para explorar a linguagem das imagens, vídeos e músicas como fontes, explorando não apenas no conteúdo do quadro, filme ou letra de canção, mas sua própria forma. Menos freqüente entre os professores, é importante também mobilizar atividades envolvendo imagens e sons na sala de aula, para que se possa investigar e abordar as representações e percepções audiovisuais dos estudantes.
Um exemplo fértil ocorreu no final de 2009 numa turma de 5a série do ensino fundamental II de uma escola de Cachoeira-BA. Numa aula, um estagiário, que por sinal era artista plástico, pediu para os estudantes escreverem o que sabiam sobre os indígenas brasileiros. Diante da resistência dos estudantes pouco familiarizados com a escrita, o estagiário então pediu um desenho. De todos os desenhos que a turma retornou, um chamou atenção porque mostrava uma habitação em formato triangular, construída a partir de três varas e encoberta com pano. Como nenhum grupo brasileiro possui tal formato de habitação, típico de nativos da América do Norte, é muito provável que a criança tenha visto a imagem em algum desenho animado, quase certamente o Pica-Pau.
Assim, uma informação sobre os indígenas veiculada na televisão ficou registrada no inconsciente ótico do aluno, que o associou aos nativos sul-americanos quando foi requisitado. É interessante notar que dificilmente alguma avaliação escrita traria esta informação. Foi apenas ao pedir uma imagem para seu próprio diagnóstico sobre a turma que o estagiário pode perceber a associação.
Esse diagnóstico talvez seja um primeiro passo para um trabalho continuado na perspectiva de uma educação audiovisual nas escolas públicas. Tal educação pode tornar o lazer dos estudantes mais crítico e reflexivo, sem deixá-lo menos prazeroso.
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