Festejando a liberdade no bembé do mercado – sequencia didática
Isadora Maria Lima da Silva – Bolsista PPQ/PROPAAE
E-mail: isadorallima@gmail.com
Leandro Antônio de Almeida – Orientador
E-mail: leandroaalmeida@hotmail.com
Publicado originalmente no LEHRB em 9/12/2014
Introdução
Na tarde de 13 de maio de 1888 chega às redações dos jornais de Salvador as primeiras notícias da assinatura da lei que abolia a escravidão no Brasil. Autoridades, abolicionistas, associações de classe e o povo “invadiram” as ruas em festa, comemorando o fim do cativeiro. As festas no Recôncavo Baiano iniciaram-se tão logo a noticia sobre a assinatura da lei se espalhou pelos principais centros. A festa da abolição se seguiu por muitos dias: bandas de músicas, desfiles militares, manifestações públicas de autoridades, missas de ação de graças, passeatas cívicas, cortejos, fogos de artifícios, batuques e manifestações dos libertos, foram alguns elementos que marcaram a heterogênea festa, reflexo da expressão dos interesses diversos circunscritos nas disputas políticas do processo da abolição.
Em 1889, o clima ainda refletia tensões e conflitos que expressavam a luta entre as classes divergentes durante o processo que resultou na abolição. Os senhores de engenho sentiam e vislumbravam negativamente as consequências da abolição, primeiro pela tentativa fracassada de serem indenizados pela perda do patrimônio; segundo por desejarem manter qualquer traço da ordem antes vigente, e não mais possível, de conservar os ex-escravos nos serviços das lavouras; terceiro por se oporem a aspiração dos libertos de possuírem terras. A este contexto soma ainda uma conjuntura de crise e conflitos sociais decorrentes de desempregos e carestia dos gêneros de primeira necessidade.
As comemorações do primeiro aniversário da abolição não se afastariam das tensões sociais do momento. Para além da festa organizada pelas abolicionistas, autoridades e entidades de classe, os libertos desejam expressar as suas expectativas de transformação que o fim do cativeiro deveria trazer. E assim em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, no dia 13 de maio de 1889, por iniciativa de João de Obá, conhecido “pai de terreiro”, os negros se juntaram para bater o Bembé (Candomblé) e celebrar a abolição. Todos os anos, no Largo Mercado de Santo Amaro, os terreiros da cidade se encontram para celebrar a liberdade. Considerado o maior Candomblé de rua do Brasil, o Bembé do Mercado representa a luta popular contra o cativeiro no Brasil.
PRIMEIRA AULA
Após breve exposição sobre as “comemorações do 13 de maio”, sugerimos ao professor apresentar a charge de Angelo Agostini publicada em 1888 na Revista Ilustrada.
Legenda do original: “Os troncos, bacalhaus e outros instrumentos de tortura alimentam as fogueiras em redor das quais os novos cidadãos entregam-se ao mais delirante batuque.”
Fonte: Escravos comemoram a libertação. Imagem de Angelo Agostini, publicada na Revista Ilustrada em 1888. (Edição 00499 – página 4). Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=332747b&PagFis=3664&Pesq=1888
O professor poderá problematizar a mensagem da charge
Quais eram as expectativas dos libertos com o fim do cativeiro?
Discutir os desdobramentos históricos do “13 de maio de 1888”.
Seria interessante que neste momento o professor incentivasse os alunos a expor respostas aos questionamentos colocados pelos conflitos de interesses do contexto em questão.
Sugestão de “Problemas”
Quais eram as expectativas dos recém-libertos com o fim do cativeiro?
Porque os benefícios esperados não foram alcançados?
Condições de trabalhos dos recém-libertos no pós-abolição
“Marginalização” dos libertos – desigualdade – racismo –
Indicação de Leitura para o professor: FRAGA FILHO, Walter. O 13 de maio e as celebrações da liberdade, Bahia, 1888-1893. In: História Social, n. 19, segundo semestre, 2010, pp 60-90. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/316/272 . Acesso em 16 set. 2014.
SEGUNDA AULA
Bembé do Largo do Mercado
Durante todo o processo de escravidão no Brasil, os negros resistiram de várias formas, a abolição não extinguiu a luta, agora era preciso afirmar a liberdade e defender seu espaço. O Bembé do Mercado, que acontece todos os anos, na cidade de Santo Amaro da Purificação no Recôncavo da Bahia, nasce dessa necessidade do povo negro de assegurar minimamente o seu estatuto de cidadão.
O professor pode trabalhar as seguintes questões a partir do texto de divulgação história: SILVA, Isadora Maria Lima da. Festejando a liberdade no Bembé do Mercado. Site do Laboratório de Ensino de História do Recôncavo da Bahia (LEHRB). 5.set.2014. Disponível em: <http://www.ufrb.edu.br/lehrb/2014/09/05/bembe-do-mercado/>.
Breve introdução sobre a Festa no Largo do mercado de Santo Amaro, origem e importância histórica.
Apresentar slides com imagens da festa e/ou vídeo “foto-reportagem sobre o bembé”:
SOUZA, Anderson. BEMBÉ de Santo Amaro – A Festa do 13 de Maio. 7’17’’. 2007. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=O17gcCw9iLg . Acesso:13 Set. 2014.
Ou: Bembé no Mosaico Baiano. 19/05/2012. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Z6HV50kEPLk. Acesso: 13 Set.2014.
Ou solicitar aos alunos, divididos em grupos para produzir/reescrever narrativa em formato de texto jornalístico sobre a realização do Bembé do Mercado em 1889.
Elementos de artigo do Jornal: data, estrutura,
Reescrita: conteúdo do texto
Criação de charge/quadrinho sobre o tema.
TERCEIRA E QUARTA AULA
Preparação para Entrevista
Primeiramente, o professor precisa contatar o organizador da Festa do Bembé no Largo do Mercado e sondar sua disponibilidade para a entrevista.
Após avisar os estudantes sobre a atividade, o professor pode solicitar aos grupos que elaborem um roteiro. As perguntas podem ser formuladas a partir da leitura do texto de divulgação histórica Festejando a liberdade no Bembé do Mercado, já indicado.
Se houver disponibilidade na escola ou entre os alunos, podem ser utilizadas máquinas fotográficas e gravadores. Caso a escola e/ou os alunos não possuam esses recursos, podem anotar as respostas no caderno.
Sugestão de Roteiro para a Entrevista
1. SOBRE O ENTREVISTADO
Breve biografia
Primeiro contato com o candomblé
Iniciação como babalorixá
2. SOBRE SANTO AMARO
3 . SOBRE O BEMBÉ
Origem
A organização
Importância Histórica do Bembé
Patrimônio Imaterial da Bahia
Expectativas
Realização da entrevista com organizador da festa
1 Apresentação do entrevistado:
2 Os alunos organizados em grupos e seguindo o roteiro proposto entrevistam o convidado, com base no roteiro.
*O tempo estipulado para a entrevista em torno de 25 minutos.
Relatório
A partir dos dados coletados, os alunos podem produzir um relatório articulando a leitura do texto de divulgação, as aulas e a entrevista.
Sugestão de Roteiro para o Relatório
Introdução: apresentação do entrevistado, do tema da entrevista, e dados da realização da entrevista (local, dia, hora, etc.)
Transcrição das perguntas e respostas
Seleção das partes que os grupos entenderem como mais interessantes. Justificar
Conclusão: Análise do grupo sobre a entrevista, expectativas iniciais e finais.
QUINTA E SEXTA AULA
Apresentar dois “documentos” com perspectivas históricas diferentes acerca da liberdade dos negros: autor e contexto histórico da produção dos documentos.
O primeiro documento sugerido: trecho do manual de leitura escolar de 1899, “Pátria”, de João Vieira de Almeida. Exemplo de narrativa tradicional em que retira as conquistas sociais das lutas e resistências coletivas e ressalta como elemento de transformação histórica os atos de indivíduos do poder. Para João Vieira Lima sem o sacrifício da Princesa Isabel a libertação dos escravos não seria possível. Aqui “o 13 de maio” é selecionado como marco, símbolo – e a Princesa Isabel personagem principal – da história que deu liberdade ao povo negro.
Sugerimos como documento de comparação – para problematizar a questão da liberdade e do protagonismo na história – o poema “Treze de Maio” do poeta Oliveira Silveira, para quem o “13 de maio” não significou liberdade de fato, porque para ele a abolição não rompeu com os laços de dominação e as injustiças sociais.
Entregar cópia dos documentos e do roteiro de analise para os alunos divididos em grupos.
Solicitar que os integrantes dos grupos leiam, reflitam e respondam as questões propostas no roteiro de análise.
O objetivo desta etapa é levar o aluno a refletir sobre a participação das diversas camadas da sociedade durante o processo de abolição, através da análise de discursos, compreender as disputas em torno da memória da abolição e desenvolver postura critica quanto aos significados da abolição: representou realmente a liberdade ou teve uma dimensão apenas jurídica? Qual a situação social e econômica dos negros no pós-abolição?
Roteiro de Análise
Leia reflita e analise o documento 1 :
Segundo João Vieira de Almeida, quem teve o papel de destaque na assinatura da Lei Áurea e por quê? Como o autor compreende a abolição?
Para “João Vieira de Almeida” de que maneira os negros devem conceber a abolição dos escravos?
E para você, a abolição foi uma ação “redentora” da Princesa Isabel? Justifique:
Reflita sobre o documento 2 :
De que maneira o poeta Oliveira Silveira entende a abolição? Retire um trecho do poema que justifique a sua resposta.
De que modo podemos explicar o trecho do poema que diz “Os brancos não fizeram mais que meia obrigação…”?
DOCUMENTO 1: Trecho do livro didático “Pátria” de João Vieira de Almeida, 1899, p. 243-245
“Se não fosse a coragem, que revelou a princesa imperial, na ocasião da assinatura do decreto libertador, ainda aí estaria a instituição maldita. A raça negra, portanto, no Brasil, tem a rigorosa obrigação de venerar a memória da humanitária senhora que, com o sacrifício do seu trono, quebrou os grilhões que encadeavam uma raça infeliz! Seria um miserável o negro, que se recusasse a beijar as mãos que o arrancaram do tronco! (…) a propaganda abolicionista era impotente, ante a influencia da numerosa classe dos senhores de escravos. (…) Para que ainda existisse a escravidão, bastava que o governo de então recorresse ao estado de sitio, contra os abolicionistas! (…) digam, portanto, o que quiserem: a abolição da escravidão, no Brasil, é devida, se não exclusivamente, ao menos em grande parte, a Isabel, a Redentora.”
Disponível em: http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/LEMAD-DH-USP_Patria_Joao%20Vieira%20de%20Almeida_1899_0.pdf
DOCUMENTO 2: Poema Treze de Maio – de Oliveira Silveira
Treze de maio traição,
liberdade sem asas
e fome sem pão
Liberdade de asas quebradas
como
…….. este verso.
Liberdade asa sem corpo:
sufoca no ar,
se afoga no mar.
Treze de maio – já dia 14
o Y da encruzilhada:
seguir
banzar
voltar?
Treze de maio – já dia 14
a resposta gritante:
pedir
servir
calar.
Os brancos não fizeram mais
que meia obrigação
O que fomos de adubo
o que fomos de sola
o que fomos de burros cargueiros
o que fomos de resto
o que fomos de pasto
senzala porão e chiqueiro
nem com pergaminho
nem pena de ninho
nem cofre de couro
nem com lei de ouro.
O que fomos de seiva
…………………..de base
………………… de Atlas
o que fomos de vida
……………………e luz
chama negra em treva branca
…………………..quem sabe só com isto
que o que temos nós lutamos
para sobreviver
e também somos esta pátria
em nós ela está plantada
nela crispamos raízes
de enxerto mas sentimos
e mutuamente arraigamos
….quem sabe só com isto:
que ela é nossa também, sem favor,
e sem pedir respiramos seu ar
….a largos narizes livres
bebemos à vontade de suas fontes
… a grossas beiçadas fartas
tapamos-destapamos horizontes
….com a persiana graúda das pálpebras
escutamos seu baita coração
….com nosso ouvido musical
e com nossa mão gigante
batucamos no seu mapa
….quem sabe nem com isso
e então vamos rasgara máscara do treze
para arrancar a dívida real
com nossas próprias mãos.
(In: Banzo – Saudade Negra)
INDICAÇÕES DE LEITURAS:
ALMEIDA, Leandro. Uma história do negro brasileiro. Carta Fundamental, n. 53, nov. 2013.
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia Das Letras, 2011.
FRAGA FILHO, Walter. O 13 de maio e as celebrações da liberdade, Bahia, 1888-1893. In: História Social, n. 19, segundo semestre, 2010, pp 60-90. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/316/272 . Acesso em 16 setembro 2014.
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